domingo, 26 de junho de 2011

Mitologias



De madrugada, sonhei que trovejava muito. Desciam dos céus infindos raios que tencionavam fuzilar toda a humanidade. Como se brincasse de amarelinha, pulando de quadrado em quadrado, consegui me esquivar da fúria de Jove. Ele bradava. Ah, e como bradava a
lto! Estava com ciúme por eu ter rendido culto à Baco esses dias. Deus vaidoso. Deus orgulhoso. deus. Sentiu-se ultrajado por me ver utilizando muito bem o fogo que Prometeu lhe roubou. Queimei meus dedos, e lenhas e corações... Deus vingativo. Não quis acorrentar-me. Não me deu abutre. Outro destino ao meu fígado. Pediu ao seu Pai, Cronos, que o devorasse aos poucos... Também me deu consciência, esperto! E má consciência, culpa... Mas isso é fácil de resolver: mato-a, mato-as. Mato criatura e criador. Matar quem? Já dizia o filósofo: Deus está morto!


-NO PALCO-

Delinear o tempo

''A vida é um pedaço meu que tento cortar e jogar fora, mas não consigo...''

(Marcone Jimmy)

-NO PALCO-

ASSALTARAM A GRAMÁTICA

1

Lista de diálogos
Francisco Alvim: No mar de suplementos literários não lidos –
de onde vez por outra emerge longínqua e espaçada
a voz ou o espelho da voz do imenso poeta –
sobrenada o gesto prosaico do personagem de Arezzo.
Marciano: “I beg your pardon.”
Paulo Leminski: o paulo leminski
é um cachorro louco
que deve ser morto
a pau e pedra
a fogo e pique
senão é bem capaz
o filhodaputa
de fazer chover
em nosso piquenique.
Waly Salomão: Teimo em restar aqui no distante deserto
Muezim, Muezim, Muezim mugindo à toa
Oásis que emana oásis à só menção da palavra OÁSIS
E eu subo
Pela teia acima marinhando
Taliqual aranha
Desço
Subo
Desço
Subo ao som da vontade
Até que a dura tesoura ou a afiada cimitarra corte os fios
Sedas
Dos meus dias.
SIC ITUR AD ASTRA
Assim se vai aos astros
Assim se vai aos astros2
“Jihad!”
Inscrição sobre o espelho: LAR ROMILAR
Chacal: nome: orlando tacapau.
idade: indeterminada no espaço.
origem: indefinida no tempo.
filiação: alzira namira e irirneu cafunga.
impressão digital: lamentável
CRÉDITOS sobre primeira página do jornal “O Dia”: ASSALTARAM A GRAMÁTICA.
MÚSICA: Assaltaram a gramática
Assassinaram a lógica
Meteram poesia
Na bagunça do dia a dia.
Sequestraram a fonética
Violentaram a métrica
Meteram poesia
Onde devia e não devia
Lá vem o poeta com sua coroa de louro,
Bertalha, agrião, pimentão, boldo.
O poeta é a pimenta do planeta,
Malagueta.
Waly Salomão: Tenho dito tenho dito tenho dito
E foi para isso
Que aprendeste de cor e salteado, que decoraste
Que gravaste no coração
As baladas de François Villon, o Vagabundo
E pregaste nas paredes as canções de amor de Safo?
Tenho dito
Tenho dito e aqui reedito
Que sou nefelibata nato.
Que antanho me supus uma máscara inscrita
Gigolô de bibelôs”3
Que sempre serei surrupiador de souvenirs.
E é assim, Poeta, que te indefines?
Quem és, afinal?
A qual espécie de peixe pertences?
Um mero embaralhador de cartas
Um mero embaralhador das cartas pousadas sobre o veludo da mesa deste profuso cassino.
Vendedora: “Cento e vinte e sete mil quinhentos e trinta.”
Waly Salomão: “Isto é um assalto!”
Vendedora: “Poeta carente...”
Waly Salomão: “Tomar os céus de assalto. Jihad!”
Paulo Leminski: “Um dia Jesus chegou na frente de Pôncio Pilatos, representante da autoridade romana, e
ele recebeu a pergunta que esta cidade está fazendo para mim agora: - Prá que que serve a
poesia? Aí Jesus disse: - O meu reino não é desse mundo.
A poesia não é do reino desse mundo”.
Chacal: quampérius aprendeu a voar com uma cabra que ele criava com especial carinho pois ela falava.
certo dia quampa perguntou à cabra de nome capricho: “– mi ensina a voar.” capricho disse
simplesmente: “– não faça como eu”. e quampérius voou. às vezes ele ficava horas sem teto
para aterrissar. nisso ele se parece comigo, só que eu não sei voar.
Paulo Leminski: “Acabou o tempo do belo e começou o tempo do novo.”
Diretora (Off): “O que é o novo?”
Paulo Leminski: “Pode ser uma ilusão de ótica”.
Diretora (Off): “E o Belo?”
Paulo Leminski: “O Belo é aquilo que o meu avô gostava.”
Diretora (Off): “E a poesia?”
Paulo Leminski: “A poesia é a minha liberdade.”
Francisco Alvim: Vou pisar na cara dele pra ele sentir o drama
Depois de amanhã subo cedinho para Teresópolis
Tem dez filhos e ganha salário mínimo
Se tomar um uisquinho agora não faço mais nada
Você não sabe o que é ter uma perna travada
O MDB não é besta de se tornar popular.4
Waly Salomão: “Antes dos versinhos, um pequeno panfleto. Pan-fle-to. Eu tenho visto e é preciso
parar com essa ópera bufa de só dar importância aos poetas depois de mortos. Eu vi
isso acontecer com Torquato Neto, vejo agora com Ana Cristina Cesar. Quer dizer,
que idéia de poesia, que modelo de poesia oprime, na sua cabeça, o aparecimento de
novas manifestações poéticas? A tradição dos mortos oprimindo como um pesadelo
o cérebro dos vivos. Acabou o panfleto.
Ana Cristina Cesar: Tantos poemas que perdi.
Tantos que ouvi, de graça
pelo telefone – tai,
eu fiz tudo prá você gostar,
fui mulher vulgar,
meia bruxa, meia fera,
risinho modernista
arranhado na garganta,
malandra,vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me,
vali-me de mesuras
(era uma estratégia),
fiz comércio, avara,
embora um pouco burra,
porque inteligente me punha
logo rubra, ou ao contrário, cara
pálida que desconhece
o próprio cor-de-rosa,
e tantas fiz, talvez
querendo a glória, a outra
cena à luz de spots,
talvez apenas teu carinho,
mas tantas, tantas fiz...5
Paulo Leminski: en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas
Francisco Alvim: Olha Embaixador
eu acho que o grupo adotou uma decisão muito infeliz
e que em plenário a coisa não vai sair assim.
Waly Salomão: Por um novo catálogo de tipos
Por um novo catálogo de tipos
Por aqui tem feito D dias lindos
Procurar um outro ar
Alterar
E o meu ser se esgota
Na procura patológica
Do que nem eu sei o que é
E esse é
Não há nunca
Em parte alguma
Prazer algum
Mantra – mito nenhum
Que me baste.6
Chacal: Pego a palavra no ar
No pulo paro
Vejo aparo burilo
No papel reparo
E sigo compondo o verso.
Chacal: “Anda rápido aí que eu tenho um compromisso, viu? Eu tenho um compromisso com
a minha geração. Dizem por aí que é uma geração alienada, uma geração AI-5, mas
ela reinventou a poesia. Ela foi buscar a palavra onde só havia o silêncio.
Dizem por aí que a nossa geração é uma geração Coca-Cola, cocaína, mas nós
inventamos o Circo Voador. Nós reinventamos, reativamos a Lapa. Bem, a Lapa está
voltando a ser a Lapa. A Lapa está inscrita em sua napa”.
Paulo Leminski: pariso
novayorquiso
moscoviteio
sem sair do bar
só não levanto e vou embora
porque tem países
que eu nem chego a madagascar
Paulo Leminski: nem toda hora é obra
nem toda obra é prima
algumas são mães
outras irmãs
algumas clima
Chacal: deixei meus olhos escorrerem
ao acaso sobre você
e só achei satisfação
Francisco Alvim: “Meu caro, em matéria de poesia, eu também, eu quero só isso: eu quero é ser mais
amado”.
Maldade é a gente
não se ver nunca mais7
Chacal: “Aí Chico, então eu vou ligar o rádio por causa disso”.
Locutor rádio: “E atenção ouvinte, vem aí para contar o que acontece em todos os quadrantes do
mundo, o Correspondente Nacional...”
Francisco Alvim: “Se você quer retomar o papo, eu digo o seguinte:”
Suspiro
a vida é um adeusinho
Locutor rádio: “E atenção, atenção, os marcianos acabam de invadir a terra.
E salve-se quem puder!”

-NO PALCO-

domingo, 19 de junho de 2011

filosofando

Caniço Pensante


"O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmagá-lo: um vapor, uma gota de água bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre do que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí que é preciso nos elevarmos, e não do espaço e da duração, que não podemos preencher.Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o princípio da moral. Não é no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento. Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga como um ponto; pelo pensamento, eu o abarco".

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Meus oito anos


Oh! Souvenirs! Printemps! Aurores!
V. Hugo.

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores.
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d’amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras.
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
................................
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância queridaQue os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Casimiro de Abreu

-NO PALCO-