domingo, 30 de janeiro de 2011

Agustina Bessa Luís – O Político




“O político não pode ser uma pessoa vulgar. Tem de ser capaz de viver o sofrimento sem que este seja um castigo. Tudo o que nós vemos de incapacidade nos políticos deve-se à inexistência desse treino.”

Agustina Bessa Luís (Vila Meã, Amarante, 15/10/1922)
Pseudónimo de Maria Agustina Ferreira Teixeira Bessa
Romancista, dramaturga, novelista, contista, ensaísta, autora de biografias e literature infantisl, colaboradora de diversas publicações periódicas.


-NO PALCO-

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Álvaro de Campos Se te queres matar, porque não te queres matar?


Se te queres matar, porque não te queres matar?

Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,

Se ousasse matar-me, também me mataria...

Ah, se ousares, ousa!

De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas

A que chamamos o mundo?

A cinematografia das horas representadas

Por actores de convenções e poses determinadas,

O circo policromo do nosso dinamismo sem fim?

De que te serve o teu mundo interior que desconheces?

Talvez, matando-te, o conheças finalmente...

Talvez, acabando, comeces...

E de qualquer forma, se te cansa seres,

Ah, cansa-te nobremente,

E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,

Não saúdes como eu a morte em literatura!

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!

Ninguém faz falta; não fazes falta a ninguém...

Sem ti correrá tudo sem ti.

Talvez seja pior para outros existires que matares-te...

Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

A mágoa dos outros?... Tens remorso adiantado

De que te chorem?

Descansa: pouco te chorarão...

O impulso vital apaga as lágrimas pouco a pouco,

Quando não são de coisas nossas,

Quando são do que acontece aos outros, sobretudo a morte,

Porque é a coisa depois da qual nada acontece aos outros...

Primeiro é a angústia, a surpresa da vinda

Do mistério e da falta da tua vida falada...

Depois o horror do caixão visível e material,

E os homens de preto que exercem a profissão de estar ali.

Depois a família a velar, inconsolável e contando anedotas,

Lamentando a pena de teres morrido,

E tu mera causa ocasional daquela carpidação,

Tu verdadeiramente morto, muito mais morto que calculas...

Muito mais morto aqui que calculas,

Mesmo que estejas muito mais vivo além...

Depois a trágica retirada para o jazigo ou a cova,

E depois o princípio da morte da tua memória.

Há primeiro em todos um alívio

Da tragédia um pouco maçadora de teres morrido...

Depois a conversa aligeira-se quotidianamente,

E a vida de todos os dias retoma o seu dia...

Depois, lentamente esqueceste.

Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:

Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste;

Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.

Duas vezes no ano pensam em ti.

Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,

E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti.

Encara-te a frio, e encara a frio o que somos...

Se queres matar-te, mata-te...

Não tenhas escrúpulos morais, receios de inteligência!...

Que escrúpulos ou receios tem a mecânica da vida?

Que escrúpulos químicos tem o impulso que gera

As seivas, e a circulação do sangue, e o amor?

Que memória dos outros tem o ritmo alegre da vida?

Ah, pobre vaidade de carne e osso chamada homem,

Não vês que não tens importância absolutamente nenhuma?

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.

És tudo para ti, porque para ti és o universo,

E o próprio universo e os outros

Satélites da tua subjectividade objectiva.

És importante para ti porque só tu és importante para ti.

E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

Tens, como Hamlet, o pavor do desconhecido?

Mas o que é conhecido? O que é que tu conheces,

Para que chames desconhecido a qualquer coisa em especial?

Tens, como Falstaff, o amor gorduroso da vida?

Se assim a amas materialmente, ama-a ainda mais materialmente:

Torna-te parte carnal da terra e das coisas!

Dispersa-te, sistema físico-químico

De células nocturnamente conscientes

Pela nocturna consciência da inconsciência dos corpos,

Pelo grande cobertor não-cobrindo-nada das aparências,

Pela relva e a erva da proliferação dos seres,

Pela névoa atómica das coisas,

Pelas paredes turbilhonantes

Do vácuo dinâmico do mundo...


Álvaro de Campos

(Fernando Pessoa)

-NO PALCO-

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Cantiga



Da alma, e de quanto tiver,
Quero que me despojeis,
Contanto que me deixeis
Os olhos para vos ver.

Cousa este corpo não tem
Que já não tenhais rendida;
Depois de tirar-lhe a vida,
Tirai-lhe a morte também.
Se mais tenho que perder,
Mais quero que me leveis,
Contanto que me deixeis
Os olhos para vos ver.

(Luís de Camões)

-NO PALCO-

domingo, 23 de janeiro de 2011

Nascente



Clareia manhã
O sol vai esconder a clara estrela
Ardente, pérola do céu refletindo teus olhos
A luz do dia a contemplar teu corpo
Sedento, louco de prazer e desejos
Ardentes.

(Milton Nascimento)


-NO PALCO-

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011



"É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas.
É tão silencioso.
Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois?
Dificílimo contar
. Olhei pra você fixamente por instantes.
Tais momentos são meu segredo.
Houve o que se chama de comunhão perfeita.
Eu chamo isto de estado agudo de felicidade."



(Clarice Lispector)

-NO PALCO-

Cotovia





— Alô, cotovia!
Aonde voaste,
Por onde andaste,
Que saudades me deixaste?


— Andei onde deu o vento.
Onde foi meu pensamento
Em sítios, que nunca viste,
De um país que não existe . . .
Voltei, te trouxe a alegria.


— Muito contas, cotovia!
E que outras terras distantes
Visitaste? Dize ao triste.


— Líbia ardente, Cítia fria,
Europa, França, Bahia . . .


— E esqueceste Pernambuco,
Distraída?


— Voei ao Recife, no Cais
Pousei na Rua da Aurora.


— Aurora da minha vida
Que os anos não trazem mais!


— Os anos não, nem os dias,
Que isso cabe às cotovias.
Meu bico é bem pequenino
Para o bem que é deste mundo:
Se enche com uma gota de água.
Mas sei torcer o destino,
Sei no espaço de um segundo
Limpar o pesar mais fundo.
Voei ao Recife, e dos longes
Das distâncias, aonde alcança
Só a asa da cotovia,
— Do mais remoto e perempto
Dos teus dias de criança
Te trouxe a extinta esperança,
Trouxe a perdida alegria.

(Manuel Bandeira)

-NO PALCO-

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

“Tristeza é quando chove
quando está calor demais
quando o corpo dói
e os olhos pesam
tristeza é quando se dorme pouco
quando a voz sai fraca
quando as palavras cessam
e o corpo desobedece
tristeza é quando não se acha graça
quando não se sente fome
quando qualquer bobagem
nos faz chorar
tristeza é quando parece
que não vai acabar”

(Martha Medeiros)

-NO PALCO-

Retrato



"Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"

(Cecília Meireles)

A dança da psiquê




A dança dos encéfalos acesos
Começa. A carne é fogo. A alma arde. A espaços
As cabeças, as mãos, os pés e os braços
Tombara, cedendo à ação de ignotos pesos!


É então que a vaga dos instintos presos
— Mãe de esterilidades e cansaços —
Atira os pensamentos mais devassos
Contra os ossos cranianos indefesos.


Subitamente a cerebral coréa
Pára. O cosmos sintético da Idéa
Surge. Emoções extraordinárias sinto...


Arranco do meu crânio as nebulosas.
E acho um feixe de forças prodigiosas
Sustentando dois monstros: a alma e o instinto!

(Augusto dos Anjos)

-NO PALCO-

A esperança



A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.

Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?

Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!

E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da morte a me bradar: descansa!

(Augusto dos Anjos)

-NO PALCO-

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Conversa De Botas Batidas







Veja você, onde é que o barco foi desaguar
A gente só queria um amor
Deus parece às vezes se esquecer
Ai, não fala isso, por favor
Esse é só o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida
Que a gente vai passar

Veja você, quando é que tudo foi desabar
A gente corre pra se esconder
E se amar, se amar até o fim
Sem saber que o fim já vai chegar
Deixa o moço bater
Que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos
Pra um amor de tantas rugas
Não ter o seu lugar

Abre a janela agora
Deixa que o sol te veja
É só lembrar que o amor é tão maior
Que estamos sós no céu
Abre as cortinas pra mim
Que eu não me escondo de ninguém
O amor já desvendou nosso lugar
E agora está de bem

Deixa o moço bater
Que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos
Pra um amor de tantas rugas
Não ter o seu lugar

Diz, quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além
Vão dizer, que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela vai cair

( Marcelo Camelo)


-NO PALCO-

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

CARANGUEJOLA - MÁRIO DE SÁ CARNEIRO





Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada!...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores!

Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira...
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.

Não, não estou para mais; não quero mesmo brinquedos.
P'ra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito p'ra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar!...

Noite sempre p'lo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor!...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
P'lo menos era o sossego completo... História! Era a melhor das vidas...

Se me doem os pés e não sei andar direito,
P'ra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde.
Com o meu corpo, e se resigne a não ter jeito...

De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?
Deixa-te de ilusões, Mário! Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...

Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará
P'ra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. C'o a breca! levem-me p'rá enfermaria -
Isto é: p'ra um quarto particular que o meu pai pagará.

Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível, por causa da legenda...
De aqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda;
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...

Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas-feiras,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras.
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.

Mário de Sá Carneiro

-NO PALCO-


You know you're right



I will never bother you
I will never promise to
I will never follow you
I will never bother you
Never speak a word again
I will crawl away for good

I will move away from here
You won't be afraid of fear
No thought was put into this
I always knew it would come to this
Things have never been so well
I have never failed to feel

Pain
Pain
Pain

You know you're right
You know you're right
You know you're right

I'm so warm and calm inside
I no longer have to hide
Lets talk about someone else
Steaming soon begins to melt
Nothing really bothers her
She just wants to love herself

I will move away from here
You won't be afraid of fear
No thought was put into this
I always knew it'd come to this
Things have never been so well
I have never failed to fail

Pain
Pain
Pain
Pain
Pain

You know you're right
You know you're right

(Kurt Cobain)


-NO PALCO-

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Cordel Estradeiro


A bença Manoel Chudu
O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro

Pra se tornar mensageiro
Da força do teu trovão
E as asas da tanajura
Fazer voar o sertão

Meu moxotó coroado
De xiquexique facheiro
Onde a cascavel cochila
Na boca do cangaceiro

Eu também sou cangaceiro
E o meu cordel estradeiro
É cascavel poderosa
É chuva que cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de poeira
Deixando a tarde cheirosa

É planta que cobre o chão
Na primeira trovoada
A noite que desce fria
Depois da tarde molhada

É seca desesperada
Rasgando o bucho do chão

É inverno e é verão

É canção de lavadeira
Peixeira de Lampião
As luzes do vaga-lume
Alpendre de casarão
A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão

Vocês que estão no palácio
Venham ouvir meu pobre pinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do Lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra da Catingueira
Um cantador de primeira
Que nunca foi numa escola

Pois meu verso é feito a foice
Do cassaco cortar cana
Sendo de cima pra baixo
Tanto corta como espana
Sendo de baixo pra cima
Voa do cabo e se dana.

(Cordel Do Fogo Encantado)

-NO PALCO-

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

É também vida aquilo que não se quer enxergar






É também vida aquilo que não se quer enxergar

Ah! A existência... , a Vida é amorfa...

Sem passado sem futuro, tudo a amostra,

Sem tempo, nada se mede tudo se transforma

Tudo é infinito nada se resume

Nenhum olhar se cancela, tudo em espaço e volume.

Nada se estagna tudo é o olho dela.

Da piromania do vaga-lume

A atmosfera, da base ao cume

Das montanhas a velar

Os dias, as horas, o tempo

Criado pelo homem.

Hoje a vida nos separa,

Mas a metafísica e a causa nos unem.

Ah! Assim como são as pedras são as flores

As duas são densas e pesadas assim como os amores

Mas mais bela e densa são vossas cores

Que sem a luz da vida não passam de rumores

A vida nas pedras, a vida no ar

Só não há vida naquilo que não se pode amar

Acaso não é vida no espaço poder girar

Não é vida tudo aquilo que é similar?













-imagens da serra negra-

(Marcone Jimmy-a Daiane)

-NO PALCO-

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Tao




Quando agente esquece Deus

Ele faz lembrar-nos mais ainda de nós.

Mesmo quando somos ateus,

Até quando não queremos seus céus.

O absoluto senta-se ao nosso lado

Puxa conversa, nos anuncia mais um dia.

Tao que não é preto, branco, nem amarelo...

Nos convida a seguir em seu sendero.

Longe dos nossos podres desejos.


(D.Everson)

-NO PALCO-

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fotopoetografia



‘’Tendo a alma fora

Canta a sombra ufana

Rasga tudo que fora’’

(Marcone Jimmy)










-Fotos de Douglas-

-NO PALCO-