sexta-feira, 4 de novembro de 2011

ARTIGO As tragédias da Rua Nova (1)






por ROSTAND PARAÍSO*
Durante o domínio holandês em Pernambuco, anos 1630 a 1654, num grande descampado, onde hoje se encontra a Matriz de Santo Antônio, construiu-se um depósito de material bélico, principalmente de munições, chamado de Casa da Pólvora. No seu entorno foram sendo erguidas algumas casas residenciais, e, dentro em pouco, já se esboçava, entre elas - a princípio, um mero caminho -, o espaço que ficaria conhecido como a Rua Nova da Casa da Pólvora.
Em 1752, pelo perigo que representava para um núcleo residencial já de certa importância, inclusive com algumas casas comerciais nos pavimentos térreos, a Casa da Pólvora foi transferida para outro local e a rua passou a ser conhecida como a Rua Nova de Santo Antônio, com o tempo abreviada para, simplesmente, Rua Nova.
Ela teve outros nomes: em 1870, foi batizada, pela Câmara Municipal, como Rua do Barão da Vitória (José Joaquim Coelho), um dos valentes soldados do nosso exército, que se destacara durante a guerra do Paraguai. Após o assassinato de João Pessoa, presidente da Paraíba, ocorrido a 26 de julho de 1930, no interior da Confeitaria Glória, ali localizada, aquela rua, pelo decreto de nº 143, de 10 de outubro daquele mesmo ano, assinado pelo então prefeito, o dr. Lauro Borba, passou a ser chamada Rua João Pessoa. Nenhum dos novos nomes caiu, porém, no gosto popular e ela continuou a ser conhecida como Rua Nova, esse nome sendo, finalmente, oficializado, por lei municipal, no ano de 1937.
Desde os seus primórdios, a Rua Nova era o local onde se abrigava o comércio mais fino da cidade, sempre freqüentado pela elite de nossa sociedade. Rua para onde afluíam todos os recifenses, era inevitável que, ao longo dos anos, ali ocorressem alguns desastres e crimes de morte.
A primeira grande tragédia da Rua Nova teria sido o emparedamento, pelo tresloucado pai, de uma jovem engravidada pelo namorado. Fato realmente acontecido, pura ficção ou um misto de ficção e realidade? Tudo parece ter sido um simples boato, nunca comprovado pelas investigações efetuadas pela polícia, e foi em cima desse boato, que Carneiro Vilela construiu a trama do seu mais famoso livro, A Emparedada da Rua Nova, considerado um dos grandes romances pernambucanos. De passagem, diga-se que Carneiro Vilela foi um dos fundadores da nossa hoje centenária Academia Pernambucana de Letras.
É famoso o fato ocorrido após a tentativa de assassinato do nosso último capitão-general, Luiz do Rego, ocorrida na Rua da Imperatriz, durante o início do século passado. Para facilitar o reconhecimento do cadáver do autor do atentado, seu corpo, sentado e amarrado a uma cadeira, ficou, de uma maneira sacrílega e bárbara, exposto, durante vários dias, na Rua Nova, ao lado da Matriz de Santo Antônio. Posteriormente, ele foi identificado como o de João do Souto Maior, que planejara aquele crime para se vingar de atos cometidos, pelo governador, contra pessoas de sua família.
A maior tragédia, porém, ocorrida na então Rua Barão da Vitória foi, sem dúvida, pela sua repercussão política, o assassinato de João Pessoa. O fato é por demais conhecido. A 26 de julho de 1930, depois de visitar um amigo (o juiz Cunha Melo, internado no Hospital do Centenário) e de ter almoçado no Restaurante Leite, já à tardinha, por volta das 17 horas, o presidente da Paraíba, João Pessoa, encontrava-se, acompanhado de Agamenon Magalhães, de Caio de Lima Cavalcanti e do comerciante Alfredo Dias, tomando chá na Confeitaria Glória, localizada no nº 318, esquina da Rua da Palma (na época denominada Rua de Santo Amaro). Entrando, de surpresa, no salão e postando-se atrás de Agamenon, uma pessoa, que logo se identificou (”Eu sou João Dantas”), desfechou dois tiros em João Pessoa, deixando-o estendido no chão. Levado, às pressas, para a farmácia vizinha, em poucos minutos o político paraibano morreu, numa tragédia que abalou o País inteiro. Embora não tivesse conotações políticas, sendo fruto de ódios pessoais entre o criminoso e a vítima, o crime veio aumentar o clima de revolta contra o Governo Federal e seria um dos estopins a deflagrar o movimento revolucionário já em efervescência e que, finalmente, viria às ruas, em Porto Alegre, a 3 de outubro daquele mesmo ano.
Na parede lateral do prédio de nº 318 da Rua Nova, onde funcionou a Confeitaria Glória, há uma placa de bronze, com os seguintes dizeres: Neste prédio tombou, assassinado em 26/07/1930, o grande brasileiro Dr. João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, presidente do Estado da Paraíba - Homenagem do Governo e do Povo de Pernambuco - Em 29/07/1931.
*Rostand Paraíso, médico-cardiologista, é da Academia Pernambucana de Letras.

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